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quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Capítulo 4 – As raízes genéticas do pensamento e da linguagem



-        O autor inicia o texto com a tese a ser defendida em todo o seu decorrer: a relação entre pensamento e linguagem muda quantitativa e qualitativamente durante o processo de desenvolvimento da criança.
-   Ressalta a independência das raízes genéticas de pensamento e linguagem e passa a tratar de experimentos com chimpanzés, realizados principalmente por Köhler, que tiveram por objetivo verificar nos antropoides os motivos pelos quais o desenvolvimento cultural resulta impossível para os animais.
-       Embora apresentem rudimentos de linguagem (semelhantes à linguagem humana predominantemente nos aspectos fonéticos), os chimpanzés não a utilizam a não ser com um tom emocional, capaz de influenciar os comportamentos de outros animais da mesma espécie (meio de contato emocional ou “contágio”) sem, entretanto, significar/representar ou descrever algo objetivo. O animal tem sua percepção e sua inteligência limitadas ao campo visual direto, à situação imediata, o que constitui a condição inclusive para o uso de instrumentos (aqueles que estiverem fora do alcance da visão deixam de existir objetivamente na qualidade de instrumentos).
-       Vigotski corrobora a ideia de Bühler, segundo a qual as formas mais evoluídas do pensamento técnico instrumental não se relacionam com a linguagem e com os conceitos, o que demonstra que as relações entre pensamento e linguagem, mesmo no adulto, não são constantes e não estão presentes em todas as suas atividades. Contrapõe-se, no entanto, ao pressuposto do autor segundo o qual a criança tomaria consciência da palavra como símbolo ainda antes dos dois anos de idade.
-       Os estudos vigotskianos permitem afirmar que:
1.     Tanto na filogênese quanto na ontogênese, pensamento e linguagem possuem raízes genéticas diferentes.
2.     Seu desenvolvimento segue linhas distintas e independentes uma da outra.
3.     No desenvolvimento filogenético, a relação entre pensamento e linguagem assume diferentes magnitudes.
4.     Ao estudar os chimpanzés é possível verificar algumas aproximações em relação aos seres humanos: sua linguagem possui desenvolvido aspecto fonético, além das funções emocional e social. Já seu intelecto se aproxima do humano pela capacidade rudimentar de empregar instrumentos.
5.     Nos chimpanzés pensamento e linguagem não guardam entre si nenhum tipo de conexão.
6.     Na filogênese e na ontogênese é possível reconhecer uma fase pré-linguística do pensamento e uma fase pré-intelectual da linguagem.
7.     É possível concluir que as raízes do pensamento e da linguagem humanas estão no reino animal. O uso de instrumentos pelos chimpanzés denota isso, como advertiu Marx. No entanto, cabe ressaltar que se trata de raízes distintas para o pensamento e para a linguagem.
-       De acordo com Vigotski, na fase pré-intelectual do desenvolvimento, durante o primeiro ano de vida, a função social da linguagem se desenvolve intensamente. A criança em contato com os adultos desenvolve, desde muito cedo, recursos comunicativos em resposta às atividades comunicativas estabelecidas por eles.
-       Por volta dos dois anos de idade as duas linhas até então separadas se juntam e a criança faz, segundo Stern, a maior descoberta de sua vida: a de que cada coisa possui um nome. Verifica-se, então, a ampliação ativa do vocabulário da criança, de forma extraordinariamente rápida.
-       Podemos entender que desde o momento de intersecção, o pensamento se verbaliza e a linguagem se intelectualiza.
-       Em contraposição a Watson (cujo intento de descobrir o elo intermediário entre a linguagem externa e a linguagem interna é bastante meritório), Vigotski ressalta que não existem razões para admitir que a linguagem interna resulte apenas de um processo mecânico de redução progressiva da sonoridade (fala externa è sussurro è fala interna). Existem diversas justificativas que permitem chegar a esta (contra)posição: estruturalmente, o sussurro não se diferencia da fala em voz alta nem apresenta as características específicas da linguagem interna; não possui nenhum traço funcional da linguagem interna; embora possa ser despertado na criança, não se desenvolve espontaneamente antes da idade escolar.
-       Neste caminho, Vigotski afirma que a linguagem egocêntrica assume a função de elo intermediário entre a linguagem externa e a linguagem interna. Não se trata, pois, de mero acompanhamento da atividade infantil, tendo em vista que, com grande facilidade, se converte em pensamento, com uma função planificadora que auxilia a resolução de dificuldades no decorrer das atividades da criança.
-       A linguagem se internaliza psicologicamente antes que fisiologicamente. Esta afirmação vigotskiana se justifica pelo fato de que a linguagem egocêntrica da criança é uma linguagem para si mesma, interna por sua função e quase incompreensível para aqueles que a rodeiam. 
-       Mas por que a linguagem se internaliza? Vigotski afirma que, assim como todas as demais funções psíquicas, a linguagem passa por quatro etapas fundamentais.
o   Etapa primitiva ou natural: a operação se apresenta da mesma forma em que se formou nas primeiras fases do comportamento (etapa pré-intelectual da linguagem – balbucio - e etapa pré-verbal do pensamento – pensamento visual por ações);
o   Etapa da psicologia ingênua: a criança se relaciona com seu próprio corpo ou com os objetos ao seu redor  de forma imperfeita, experimental, tateante. Em relação à linguagem, corresponde ao uso de estruturas e formas gramaticais sem a compreensão das relações lógicas que as fundamentam;
o   Etapa do signo externo: O apoio para o exercício das funções psíquicas está externamente posicionado (uso dos dedos como apoio para contar; de objetos para lembrar). Em relação à linguagem, trata-se da fala egocêntrica.
o   Etapa de “crescimento para dentro”/ internalização: conversão da operação externa em operação interna, com profundas modificações. Trata-se do cálculo mental, da memória lógica e, na linguagem, da fala interna.
-       Com relação à criança, cabe salientar que, de acordo com Wallon (e diferentemente do que afirma Stern), as primeiras palavras não são mais que um dos atributos dos objetos, não constituindo símbolos. Esta asserção também confirma dados da pesquisa piagetiana. Não há, assim, a menor possibilidade de que a criança, aos dezoito meses, possa descobrir as propriedades simbólicas da linguagem. Trata-se do domínio da estrutura externa que é anterior ao domínio da estrutura interna (palavra-objeto è estrutura simbólica).
-       Ao enfocar a relação entre linguagem e pensamento cabe salientar, sobretudo, que se trata de um desenvolvimento não natural, mas historicamente condicionado. A linguagem interna resulta da acumulação de prolongadas mudanças funcionais e estruturais da linguagem externa. A diferenciação progressiva entre as funções social (comunicativa) e egocêntrica (controle da conduta) produzem/são produzidas por tais transformações. As novas estruturas da linguagem se convertem, pois,  em estruturas fundamentais do pensamento.
-       A experiência sócio-cultural da criança e o domínio da linguagem (meios sociais do pensamento) permitem que o pensamento infantil se estruture sobre novas bases.

-       Vigotski salienta que no adulto não é possível identificar os processos da linguagem e do pensamento. O pensamento verbal não esgota todas as possibilidades tanto do pensamento quanto da linguagem (é o caso do pensamento instrumental e técnico, bem como da inteligência prática).

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